sábado, 9 de junho de 2012

Entrevista com o escritor Beto Canales.

"Eles aparecem do nada e sentam ao meu lado".
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Por Jana Lauxen.
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Beto Canales, definitivamente, é um cara legal.
Daqueles que convidamos para sentar em nossa mesa, e para o churrasco de domingo, a ceia de natal, o acampamento no feriadão.
Para minha sorte, o conheço e posso partilhar de sua amizade.
Para nossa sorte, além de ser um cara legal e pai do Tomás, ele resolveu também escrever.
Criou um blogue em 2008 e, em 2009, durante a Bienal do Rio de Janeiro, lançou seu primeiro livro, o delicioso A Vida Que Não Vivi (Ed. Multifoco), reunindo 18 contos que têm desde prostitutas profissionalmente bem resolvidas, até escritores assassinos e assassinados, bêbados, poetas, índios, políticos e defuntos alegres.
Desde agosto, eu e Beto trocamos e-mails, eu perguntando, ele respondendo, e abaixo vocês podem conferir, na íntegra, nosso bate-papo virtual sobre literatura, internet, novos autores, dinheiro, vocação, publicidade e sobre como a personagem toma as rédeas da história e deixa o escritor a ver navios.
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Como é ser o Beto Canales?
É bom. Provavelmente esta tenha sido a pergunta mais difícil que respondi até hoje. Faz 24 horas que penso a respeito e resumo tudo nestas duas palavras. Talvez tenha sido decepcionante - para mim, é claro - mas define com clareza o que sinto.
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A literatura é sua amiga ou inimiga?
Tem como ser inimiga?
Eu acredito que, além de amiga, é como uma grande professora. Uma mestra sábia e generosa, com muito a ofertar e pouco a exigir.
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E como você e a literatura se conheceram? Como, onde e por que tudo começou?
Meu primeiro contato foi bem marcado, há algumas décadas, no colégio. Era - como quase todos naquela época - um tanto rebelde. Não tinha cadernos e, se tinha, não os usava. Os livros sequer eram abertos, e como consequência as notas eram tenebrosas. Com uma exceção: redação. Sempre recebia elogios e nota máxima. Mas o tempo passou e comecei a trabalhar, desta forma inexequível que o capitalismo exige, deixando todo o resto em segundo plano. Um verdadeiro absurdo, apesar de nunca ter me afastado completamente da criação literária.
Porém, alguns anos atrás, uma amiga, sabendo do meu gosto pela escrita, enviou-me as regras de um concurso literário de nível internacional. Participei e venci. Foi um impulso e tanto, pois junto com a vitória veio o convite da editora Literalis, que organizava o concurso, para lançar um livro. Por motivos alheios troquei de editora, mas o convite da primeira continua valendo, o que muito me envaidece. Depois ganhei mais alguns concursos, tive textos publicados em vários lugares e fui tomando gosto pela coisa. Hoje sequer me imagino sem escrever.
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Você acredita, então, que para quem tem talento o mercado literário brasileiro oferece boas oportunidades? Isto é, só o talento basta?
Para a primeira parte da pergunta a resposta é sim. Para quem tem talento, o mercado oferece excelentes oportunidades. No entanto, somente oportunidade não é o suficiente. Por vezes, muitas chances são desperdiçadas por falta de perseverança, insistência e trabalho. Acredito que, com uma mistura de tudo isso, é possível conquistar algo legal. Não existe mágica em literatura, como em quase tudo, para o sucesso. Existe um ditado que diz “toda vez que a inspiração bate lá em casa me pega trabalhando”. Acho que isso define bem o “espírito da coisa”. E, além disso, mais um detalhe que considero fundamental: sorte. Nem que seja um pouquinho, ela é essencial.
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Sabemos que, graças à internet, novos autores têm encontrado novas portas para, finalmente, terem seus textos publicados - seja pelo meio impresso ou virtual. Esta abertura possibilita o advento de bons escritores; em compensação, os misturam com uma gama enorme de pessoas que, por que criou um blogue e postou meia dúzia de textos, já se intitula escritor. Minha pergunta é: a internet é aliada ou termina por desviar a atenção do que realmente vale a pena?
Questão polêmica. É evidente que a internet ajuda - e muito - novos autores, principalmente através de portais literários, que permitem, além de serem lidos, que sejam avaliados. Na divulgação também é uma ferramenta e tanto. Para estar em uma prateleira das grandes livrarias (Cultura, Saraiva, etc.), as editoras pagam uma boa grana. Ou seja, para as pequenas editoras, que normalmente são quem lançam novos autores, isso é inviável. Então, a venda pela rede também é uma aliada. Entretanto, é impressionante o que surge de texto sem qualidade literária por aí. Textos inclusive com erros gramaticais e ortográficos grotescos. Porém, não considero isso determinante, já que ocorre também com trabalhos impressos. Inclusive livros sem qualidade aparecem seguidamente. Isso sem falar nos artigos de jornais, alguns quase incompreensíveis. Portanto, o ruim está em toda parte. A internet soma, agrega, ajuda. Basta que se faça uma boa triagem. Como em tudo.
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E dá para viver só de literatura no Brasil?
Muitas pessoas neste país vivem com menos de U$2,00 por dia. Se seguirmos este dado, a resposta é sim. O detalhe é que, com esse valor, o sujeito não tem condições de escrever, portanto, inviabiliza a afirmação. Digo isso para salientar que depende das aspirações e necessidades de cada um. Se o autor escrever um bom livro e ficar sentado na frente da TV esperando se tornar um best seller, estará fadado ao fracasso. Os meios de comunicação protegem os seus e dificultam para quem chega de fora. Ou seja, tem que “pelear”, correr atrás e não deixar por menos. Fazendo isso e esquecendo os luxos e supérfluos, o autor vive da literatura sim. Ou seja, ele terá uma vida como qualquer operário mal pago que existe por aí. Estou falando, claro, do novo autor.
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E tua estreia na literatura, com o livro A Vida que Não Vivi (Ed. Multifoco, 2009), como está sendo?
Olha, está sendo ótimo. Lançar um livro em plena Bienal do Rio é uma maluquice. Ainda mais que é o meu primeiro. Tenho recebido apoio e cumprimentos de pessoas de toda parte. Leitores que não conheço, mas que me deixam extremamente satisfeito, têm entrado em contato somente para dizer “parabéns”. Isso é imensamente gratificante.
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Você mantém o blogue Cinema e Bobagens e é um dos editores do portal Esquina do Escritor. De que maneira a internet atua na tua vida de escritor?
De uma forma muito legal e saudável. A internet ajuda a construir uma carreira. O fato de eu ajudar em sites como o 3:AM e a Esquina do Escritor também trazem muito conhecimento, a começar pela quantidade de textos que recebo e avalio. Essa troca é muito válida. Resenhas de cinema trazem um leitor diferente. Ou seja, através da rede, meu trabalho é visto por quem não seria diretamente leitor de um livro de contos. É uma contribuição enorme que o Cinema e Bobagens proporciona.
Além disso, a web também ajuda na distribuição. A Vida que Não Vivi, por exemplo, está disponível para venda pela rede com pagamento 100% seguro, e a pessoa ainda recebe em casa. Caso queira, com dedicatória.
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Já há quem diga que a literatura, assim como a música, está se desligando cada vez mais de formatos tradicionais, como o CD, o Vinil e o próprio MP3, para se tornar mais ‘livre’. Em contrapartida, isso impediria a remuneração adequada ao autor, que já é baixa e passaria a ser inexistente. Qual sua opinião sobre isso?
Evidente que o mundo virtual tem trazido mudanças significativas. Mas acho um erro comparar música, por exemplo, com literatura. Explico: alguém que baixa uma música pela internet e a reproduz em um aparelho de som, terá o mesmo resultado de alguém que foi na loja e comprou um CD. Porém, quem baixa um livro não terá o mesmo resultado do que se tivesse comprado um. Essa diferença é fundamental. A leitura na frente de um computador é ruim, desconfortável e pouco produtiva. Se o sujeito imprimir o que baixou, gastará mais que o valor do livro.
Independente dessa diferença, é claro que a questão do direito autoral terá que mudar. Na verdade, mesmo no formato atual, é uma proposta errada e esquálida, onde ganha a editora, o distribuidor, a livraria (principalmente), e somente depois, bem depois, o autor. Existem coisas absurdas, como o percentual que algumas livrarias cobram, que chega a 50%. Esta montanha de distorções é que remuneram de forma deficiente o autor. Com o avanço da internet, esta estrutura toda errada de agora terá de se adequar. Mas, fiquem certos, quando as grandes corporações começarem a perder dinheiro, rapidinho aparecerá uma saída. E o autor continuará lá na ponta de baixo, mas faturando algum, até por que sustenta toda a cadeia.
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Realmente, é fato que o trabalho do escritor ainda não é valorizado como deveria, financeiramente falando. O que acaba obrigando muitos autores a dividirem seu tempo entre a literatura e outras profissões, que “pagam seu aluguel”. Logo, a literatura no Brasil é mais vocação que profissão. Concorda com isso?
Infelizmente concordo. E, pior ainda, isso não vale somente para a literatura, mas para todas as artes. Músicos, escultores, atores, enfim, a grande maioria dos trabalhadores da arte são obrigados a ter outra função. Quem perde com isso? Todos nós. Além, é claro, da própria arte.
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Mas mudando de assunto, como é sua rotina para escrever? Isto é, existe um ritual, alguma cerimônia?
Nada de diferente. Sento, escolho um tema e escrevo.
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Se precisasse listar os grandes autores da tua vida, quem seriam eles e por quê?
Pois sabe que sou meio esquisito quanto a isso. Acho que meus grandes autores são cíclicos. Depende da fase que eu esteja passando. Acredito que mudanças são fundamentais, e escolhas também. Não sou muito saudosista em literatura, e acredito que autores atuais não deixam a desejar. Então, a resposta seria, neste momento, os escritores contemporâneos, e a razão é que narram o meu tempo.
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Destes escritores contemporâneos, algum em particular vem chamando sua atenção?
Vários. Tem um pessoal novo que vem chegando com força. Que, mesmo sem a mídia, estão conseguindo invadir o mercado de maneira bem saudável. Prefiro não citar nomes, até para não falar da própria entrevistadora.
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Obrigada. Mas continuando: os personagens do seu livro, A Vida que Não Vivi, possuem um caráter bastante duvidoso; são vingativos, irônicos, alguns até pornográficos. E quem te conhece, sabe que você é o oposto de todos estes adjetivos acima citados. A literatura permite ao autor ser o que não é, sentir o que não sente, viver o que, de fato, não vive? Como é a criação de personagens tão diferente de você?
Para qualquer escrita eu parto da ficção. Não escrevo, em meus contos, sobre o que vivo ou vivi, nem sobre pessoas que conheço. O caráter de meus personagens é, infelizmente, um espelho do que vemos por aí, de uma forma geral. Mostram o que existe, em todas as classes e meios, de ruim, de perverso. Retratam, enfim, o que todos nós, de uma maneira ampla, somos.
Quanto ao surgimento desses personagens, eu não sei bem explicar. Parece que já estavam formados e, quando resolvo escrever, eles aparecem do nada e sentam ao meu lado. É instigante, como se houvesse uma cumplicidade. É muito bom.
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Então já aconteceu de você sentar para escrever imaginando uma coisa, e a narrativa e o personagem se rebelarem, ganharem vida, e o texto terminar de uma maneira completamente diferente, tal e qual acontece no conto O Surto? Você, tal e qual seu personagem, já perdeu o controle do desfecho de alguma história?
Isso já aconteceu várias vezes. O texto sair igual ao que imaginei, creio que nunca ocorreu. As histórias e os personagens verdadeiramente criam vida própria e vão sozinhos para o desfecho. Algumas acabam, inclusive, com um final que não gosto, não concordo. Mas acredito que isso seja algo bom. Qualifico de uma forma diferente os contos onde isso acontece, pois, normalmente, gosto do resultado.
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Agora a pergunta que não quer calar: como, onde e por que comprar A Vida que Não Vivi.
Seguramente sou o pior vendedor do mundo. Não sei mesmo - nem com muito esforço - vender e, principalmente, “me vender”.
Como e onde comprar é fácil. Podem adquirir pelo blog através do PagSeguro do Uol, através de cartão, boleto ou transferência.
Agora a razão para comprar… Bem, tenho recebido inúmeras críticas positivas, e talvez vocês gostem de conhecer as vidas que estão ali, os personagens instigantes, as histórias que poderiam acontecer com qualquer um de nós, em qualquer lugar. Enfim.
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De minha parte, posso dizer que as vidas que estão no livro, vividas ou não vividas, são fantásticas, e merecem sim a atenção do leitor mais atento. Mas continuando: existem especulações que, uma das maneiras de agregar valor e aumentar a rentabilidade dos livros seria a inserção de publicidade nas edições, ou de histórias pagas por anunciantes, onde o personagem, por exemplo, utilizaria um produto de determinada marca, o citando no decorrer da história. O que pensa sobre isso? Acredita que a publicidade pode se tornar amiga da literatura?
São duas coisas bem distintas e, a rigor, uma delas já está em prática. Histórias compradas são comuns, mesmo que indiretamente. Alguns autores escrevem aquilo que as editoras querem, e não o que eles querem. Isso não é raro e considero abominável. Existe muita gente boa por aí que se “prostitui” em troca de um bom contrato ou de uma mídia bem dirigida. Eu não faria isso em nenhuma hipótese. Não escrevo o que querem que eu escreva. Ainda trato a literatura como arte, e não a mercantilizo a tal ponto.
Quanto a um personagem usar algum produto, é uma ideia nova, pouco explorada. Creio que pode ser uma saída “honrosa” para aumentar o faturamento dos livros. Claro que com algumas premissas básicas, como não alterar o rumo, não influenciar no desfecho, não banalizar o artístico. Se me perguntassem agora se eu faria, responderia prontamente que não; porém, se me informassem que aumentaria o número de leitores, baixando consideravelmente o preço de capa do livro, por exemplo, diria que sim. Mas com constrangimentos.
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Para encerrar, Beto, diga-nos: quais teus planos daqui pra frente? Já tem outro livro na manga, projetos, publicações? Conte-nos tudo.
Pois é. O futuro a nós pertence. Tenho um romance já engatilhado, além de um livro de crônicas, já com editora interessada. Além disso, o projeto de uma coletânea, também de crônicas, que está por sair, além de uma livraria virtual, que será única no mercado. Enfim, literatura, literatura e, claro, literatura.